A pesquisa “Direito à Cidade e Habitação: um balanço do PAC – Urbanização de Favelas” dedicou-se a uma avaliação dos resultados das ações de urbanização de favelas realizadas por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Como evidenciado na pesquisa, o grande volume de recursos públicos mobilizados e a relevância alcançada na agenda governamental fizeram do PAC o maior programa habitacional para urbanização de favelas da história do país, promovendo a ampliação da escala de intervenção e contribuindo para a consolidação de uma perspectiva de intervenção que privilegia a urbanização integral.
A pesquisa foi coordenada pelos professores Adauto Cardoso (UFRJ) e Rosana Denaldi (UFABC), sendo fruto da parceria entre a Rede Observatório das Metrópoles e o Laboratório de Estudos e Projetos Urbanos da Universidade Federal do ABC (LEPUR/UFABC). O trabalho foi desenvolvido como parte do programa de pesquisa da Rede Observatório das Metrópoles “As Metrópoles e o Direito à Cidade: conhecimento, inovação e ação para o desenvolvimento urbano”, subprojeto Direito à Cidade e Habitação, no âmbito do programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e contou ainda com recursos do Programa Cientistas do Nosso Estado, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
A pesquisa buscou realizar um esforço inédito de sistematização de dados que permitisse identificar as características das intervenções de urbanização de favelas realizadas com recursos do PAC, tendo em vista a ausência de trabalhos abrangentes sobre o desempenho desse Programa em nível nacional. Como destacado por Adauto Cardoso (IPPUR/UFRJ) e Rosana Denaldi (LEPUR/UFABC), coordenadores da pesquisa nacional, a priorização da agenda habitacional no ciclo lulista fomentou a realização de investigações dedicadas à avaliação de resultados desses investimentos. Assim, o Programa Minha Casa Minha Vida tornou-se objeto privilegiado de pesquisas acadêmicas que, majoritariamente, apresentaram resultados convergentes em suas avaliações. Já de forma distinta, o PAC obteve menos espaço nas agendas de pesquisa e, naquelas que se dedicavam ao estudo de seus resultados a nível local, observava-se uma maior diversidade dos achados. A presente pesquisa partiu, por tanto, desta constatação sobre o campo das pesquisas habitacionais e empenhou esforços na realização de uma investigação comparada entre diferentes realidades no território nacional, buscando superar o risco de generalizações sobre o Programa baseadas em estudos de caso.
Para que fosse possível ter uma visão abrangente, a pesquisa contemplou cidades que concentravam população moradora de favelas e que, também, haviam recebido recursos significativos do PAC para obras de urbanização, além de buscar uma distribuição equitativa das cidades no território nacional. A partir desses critérios e da disponibilidade de participação de pesquisadores locais, foram selecionadas as cidades do Rio de Janeiro, de São Paulo, Belo Horizonte e da Região do Grande ABC (que já haviam sido objeto de pesquisas anteriores desenvolvidas pelo LEPUR) – no Sudeste; Fortaleza, Salvador e Recife – no Nordeste; Belém, no Norte; e Porto Alegre e Curitiba – no Sul.
Para desenvolver a análise comparada, a pesquisa adotou alguns procedimentos metodológicos como o uso compartilhado de base de dados e documentos públicos sobre os contratos firmados em cada uma das cidades pesquisadas, a realização de entrevistas com agentes públicos e atores relevantes para a implementação do Programa a nível local, e ainda a formulação de um roteiro orientador da pesquisa que consolidava definições, tipologias e formas de classificação das intervenções. Esses procedimentos permitiram uma leitura articulada sobre as diferentes cidades, servindo de guia para que cada equipe de pesquisadores locais desenvolvesse sua análise, incorporando conhecimentos acumulados sobre as características específicas das cidades estudadas e sobre as experiências anteriores em urbanização de favelas.
“No balanço geral de avaliação do programa e de seus impactos em cidades situadas em oito metrópoles, identificou-se, por um lado, que os recursos do PAC possibilitaram a ampliação da escala de atuação, realizando-se de forma concomitante um volume maior de obras de urbanização em diferentes assentamentos ou desenvolvendo-se intervenções em assentamentos maiores ou com características de maior complexidade; e, por outro lado, que em municípios onde não havia uma história anterior significativa de intervenção em favelas, os programas de intervenção foram formulados apenas e tão somente diante da disponibilidade de recursos alocados pelo PAC-UAP” (Denaldi; Cardoso, 2022, p. 08-09)
Os resultados dessa pesquisa foram reunidos no livro Urbanização de favelas no Brasil – um balanço preliminar do PAC (link), editado pela Editora Letra Capital em parceria com o Observatório das Metrópoles, publicado em 2018, organizado pelos coordenadores da pesquisa, Adauto Cardoso e Rosana Denaldi.
Além do livro, os resultados da pesquisa podem ser consultados nos relatórios produzidos pelas equipes envolvidas (link).
Além da participação de Adauto Cardoso na coordenação da pesquisa nacional, a equipe de pesquisadoras e pesquisadores do Grupo Habitação e Cidade contribuiu com a pesquisa avaliando a urbanização de favelas realizada através do PAC no município do Rio de Janeiro, discutindo os arranjos institucionais que envolveram a implementação do Programa e a caracterização das operações realizadas. Como evidenciado nas análises, a cidade do Rio de Janeiro possui um quinto de sua população vivendo em favelas e foi a cidade que mais recebeu investimentos do PAC para urbanização de favelas no país. Esses fatores enfatizam a importância da avaliação dessa experiência de implementação do Programa, somando-se ainda ao contexto singular composto por forte crescimento econômico, alinhamento político entre os três níveis de governo e promoção da cidade como sede de megaeventos esportivos internacionais. Os resultados da pesquisa foram sintetizados no texto “O PAC nas favelas do Rio de Janeiro: Caracterização das intervenções e arranjo institucional” que compõe o livro nacional, além de trabalhados apresentados em eventos acadêmicos, contribuições a outras publicações e em periódicos da área.
Desdobramentos da agenda de pesquisa
A partir dos resultados alcançados na pesquisa nacional, concluída em 2018, que permitiram uma caracterização ampla da urbanização de favelas realizada no âmbito do PAC, pesquisadoras e pesquisadores envolvidos avançaram no aprofundamento das investigações dando origem a dois desdobramentos da agenda de pesquisa. Assim como na pesquisa anterior, esses desdobramentos foram desenvolvidos como parte do programa de pesquisa da Rede Observatório das Metrópoles “As Metrópoles e o Direito à Cidade: conhecimento, inovação e ação para o desenvolvimento urbano”, subprojeto Direito à Cidade e Habitação, no âmbito do programa INCT/CNPq e com apoio da Faperj.
O primeiro desdobramento dedicou-se ao estudo dos elementos institucionais e normativos que, nos diferentes contextos analisados, moldaram possibilidade e limitações para a atuação dos governos locais na urbanização de favelas. Assim, em 2019, teve início a pesquisa “Direito à Cidade e Habitação: condicionantes institucionais e normativas para a implementação de políticas (programas e projetos) de urbanização de favelas – avaliação do ciclo recente” com coordenação nacional da professora Madianita Nunes da Silva (UFPR) e do professor Adauto Cardoso (UFRJ). Essa nova pesquisa teve como objetivo identificar e analisar as condicionantes institucionais e normativas que deram suporte às políticas de urbanização de favelas nos municípios de Rio de Janeiro, Santo André, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Campina Grande, Pelotas e Curitiba.
Realizada ao longo da crise sanitária e social atrelada à pandemia de Covid-19, a pesquisa demandou ajustes no desenho metodológico proposto inicialmente que pretendia produzir e aplicar indicadores, adotando então uma metodologia de caráter mais qualitativo, com as equipes desenvolvendo as suas investigações tendo como referência as questões levantadas conjuntamente e consolidadas em documentos-guia. A partir dos primeiros resultados alcançados, ganhou relevância os aspectos relacionados às trajetórias anteriores dos municípios em projetos de urbanização de favelas. Assim, a caracterização e a análise da trajetória da política de intervenção em favelas no período que antecedeu a implementação do PAC tornaram-se objetivos da pesquisa.
Dentre os resultados alcançados pela pesquisa nacional, destacam-se a constatação da riqueza e originaliza da experiência de urbanização de favelas em cidades brasileiras desde o final da década de 1970 e, ainda, que tais iniciativas são afetadas pelos ciclos políticos que levam ao ganho ou à perda de centralidade na agenda conforme mudam as conjunturas políticas. Para além desses casos em que foram encontrados relevantes experiências predecessoras, destacaram-se também casos em que a ausência de experiências e de recursos técnicos, institucionais e normativos levou a expressivas dificuldades na implementação da urbanização de favelas via PAC.
Assim como na pesquisa anterior, os resultados da pesquisa nacional foram reunidos em um livro que leva o título Urbanização de favelas no Brasil – trajetórias de políticas municipais (link) e é composto por textos elaborados pelas equipes locais que se debruçam sobre essa ênfase da pesquisa a partir de estudos sobre suas respectivas cidades. O livro foi organizado por Madianita Nunes da Silva, Adauto Cardoso e Rosana Denaldi, publicado em 2022, editado pela Editora Letra Capital em parceria com o Observatório das Metrópoles. Os resultados da pesquisa também podem ser encontrados nos relatórios produzidos pelas diversas equipes. (Belo Horizonte, Campina Grande, Curitiba, Fortaleza, Pelotas, Recife, Rio de Janeiro, Santo André).
Além da participação de Adauto Cardoso na organização do livro e no apoio à coordenação da pesquisa nacional, a equipe de pesquisadoras e pesquisadores do Grupo Habitação e Cidade contribuiu com a pesquisa a partir do caso do município do Rio de Janeiro. Ao levantar e analisar a trajetória local da política de urbanização de favelas foi possível evidenciar sua relevância a partir de suas experiências pioneiras e emblemáticas; do fortalecimento dos movimentos sociais de luta contra remoções com o processo de reabertura democrática da década de 1980; da consolidação da urbanização na agenda da política habitacional do município ao longo das décadas de 1990 e 2000; e das mudanças sobre essa trajetória decorrentes do contexto singular em que se deu a implementação o PAC. Na análise, teve destaque a constituição de um importante aparato normativo e institucional ao longo dessa trajetória, sobretudo do instrumento urbanístico das Áreas de Especial Interesse Social. Os resultados da pesquisa estão sintetizados no texto “A trajetória da urbanização de favelas na cidade do Rio de Janeiro: condicionantes institucionais, aspectos normativos e a regularização fundiária” que compõe o livro nacional. Posteriormente, o relatório de pesquisa deu origem ao livro “Urbanização de favelas no Rio de Janeiro” (link), publicado em 2023.
O segundo desdobramento da agenda de pesquisa dedicada à avaliação da urbanização de favelas atrelada ao PAC trata-se da pesquisa “A dimensão ambiental e as infraestruturas na urbanização de favelas: concepções de projetos, formas de produção das redes e especificidades dos assentamentos precários”, coordenada por Luciana Nicolau Ferrara (UFABC) e realizada concomitantemente ao desdobramento apresentado anteriormente. Partindo dos resultados alcançados nos esforços iniciais e da rede de pesquisadoras e pesquisadores mobilizada, essa pesquisa buscou aferir impactos ou ganhos ambientais e sociais resultantes da urbanização de favelas, concentrando-se especialmente naquelas em que obras de infraestrutura (particularmente de drenagem) foram concebidas como elemento estruturadores da intervenção. Os estudos de casos desta pesquisa estavam inseridos nas cidades de São Paulo, Belém, Campina Grande, Curitiba e Recife.
Como objetivo central, a pesquisa buscou identificar, tipificar e avaliar projetos de manejo de águas pluviais e drenagem urbana associados ao sítio urbano e à urbanização de favelas situadas em grandes cidades localizadas em diferentes regiões do Brasil. A pesquisa propôs duas dimensões a serem trabalhadas: uma primeira dimensão conceitual, identificando concepções de projeto de urbanização em que a drenagem seja elemento estruturador, e uma segunda dimensão de análise das soluções técnicas de drenagem adotadas, buscando identificar padrões de intervenção na escala da bacia hidrográfica e na escala do assentamento.
Assim como as demais, os resultados dessa pesquisa deram origem a uma publicação que reúne artigos das equipes envolvidas. O livro leva o título “A dimensão ambiental na urbanização de favelas olhares críticos a partir da drenagem urbana nos projetos do PAC” (link), foi organizado por Luciana Ferrara, Adauto Cardoso e Érica Cristine Medeiros Machado, lançado em 2022, editado pela Editora Letra Capital em parceria com o Observatório das Metrópoles. Além disso, os resultados foram apresentados em relatórios de pesquisa, disponíveis para os casos das cidades de São Paulo (link) e Campina Grande (link). Uma apresentação da pesquisa também pode ser vista também no registro da mesa “A experiência brasileira de urbanização de favelas nos anos recentes”, realizada por ocasião do Seminário “O Direito à Cidade em tempos de inflexão ultraliberal”.
Por tanto, os resultados das três pesquisas nacionais, aqui brevemente apresentadas, contribuem sobremaneira para um balanço dos avanços e das limitações encontradas na implementação dos programas de urbanização de favelas que contaram com recursos expressivos do PAC, buscando identificar caminhos possíveis para políticas urbanas e habitacionais. Os três livros produzidos estão disponíveis online e foram lançados em formato físico no XX Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento (ENANPUR), realizado em Belém em 2024.